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domingo, 22 de agosto de 2010

A CARTA DO DR. JOÃO CARLOS HAAS SOBRINHO A COMUNIDADE DE PORTO FRANCO, TOCANTINÓPOLIS E ESTREITO - 12 DE SETEMBRO DE 1972

Tenho realizado algumas pesquisas sobre o leopoldense e meu conterrâneo João Carlos Haas Sobrinho que tombou em luta fazendo parte da guerrilha no Araguaia em 30 de setembro de 1972. Passo hoje a publicar alguns resultados destas pesquisas IN MEMORIAM e com todo o respeito.

Toda vez que me falam da ditadura militar, eu me lembro dele, porque era razoavelmente próximo, do ponto de vista da minha comunidade de infância e adolescência. Não o conheci, nem frequentei seus grupos de convivência, mas conheci alguns jovens da sua geração os quais hoje passam dos 68 e 69 anos.

Quando o município de São Leopoldo, por decisão do prefeito municipal trata de edificar um monumento em homenagem a este jovem idealista e que sacrificou a própria vida por conta dos seus ideais, fui buscar mais informações. Quem quiser contribuir será bemvindo.

Aliás é bom lembrar que muitos outros da sua geração também merecem ter suas histórias contadas para tiramos da vala comum aqueles que foram capazes de lutar o que é incomum ainda entre nós.

Também olhei a capa da última revista Época desta semana que ao apresentar uma foto de Dilma Rousseff, parece querer, como um velho panfleto da TFP, criminalizar ou liquidar todos aqueles que resistiram de uma forma ou outra à ditadura. Esqueceu-se o seu editor - ou talvez nem saiba - que comunistas ou não, democratas ou revolucionários todos estes jovens acabaram por honrar a lei e a ordem na defesa da constituição violada e vilipendiada com o Golpe de 1964.

Ao contrário de muitos outros covardes que se encontravam em estruturas de poder Judiciário, Legislativo e Executivo, incluso aí nas forças armadas que assistiram a precipitação e a insanidade sem nenhuma reação organizada e politicamente consequente.

Eu sou daqueles que por conta da memória histórica e da admioração por estes jovens sempre canto o hino nacional com uma entonação mais forte na estrofe VERÁS QUE UM FILHO TEU NA FOGE À LUTA.

Em homenagem então a um destes filhos do Brasil que não fugiu à luta. E também como registro indireto que uma sua irmã de luta praticamente está - se tudo seguir assim - para se eleger presidenta deste pais, segue a carta:

A carta a seguir foi publicada no livro "Meu pé de tarumá florido", de Valdemar Gomes Pereira (Imperatriz: Ética, 1997, p.118-121). O autor foi amigo de João Haas, em Porto Franco. Segue como publicado, na íntegra:

AOS MEUS AMIGOS DE PORTO FRANCO, TOCANTINÓPOLIS E ESTREITO.

Após alguns anos de ausência, volto a dirigir-me à população dessa região, onde prestei serviços como médico durante mais de um ano.

Na atividade profissional, tive oportunidade de travar conhecimento íntimo com a difícil situação do povo dos sertões do Maranhão e Norte de Goiás. Qualquer morador é testemunha de que muitas pessoas morriam à míngua por falta de recursos para atendimento, mulheres faleciam por ocasião de partos, crianças eram vitimadas por verminoses, trabalhadores das matas sofriam violentos acessos de malária, e os que necessitassem de operação urgente não tinham tempo para alcançar o hospital mais próximo. Não havia um só médico nas localidades de Porto Franco, SãoJoão do Paraíso, Estreito, Araguatins, Itaguatins, Nazaré e Ananás. Tocantinópolis não dispunha de hospital.

Com a compreensiva ajuda dos habitantes, iniciei o trabalho em condições difíceis, chegando, com o tempo, a instalar pequeno hospital em Porto Franco. Doentes e acidentados procuravam socorro vindos de longínqüos recantos, muitas vezes sem dispor de transporte adequado. Atendi também a numerosos chamados viajando pelas precárias estradas e caminhos do sertão, ora em veículos, ora a pé. Sempre contei com a boa vontade e colaboração dos moradores e tornei-me amigo de todos. Muitas pessoas foram atendidas sem que dispusessem de um tostão para as despesas.

Era insuficiente um só médico para atender a um número de clientes que aumentava a cada dia; havia necessidade de um hospital bem aparelhado, corn instalações melhores, energia elétrica permanente, aparelhos de raio X, oxigênio etc. Muitas doenças poderiam ser evitadas se o Governo fornecesse verbas e desse assistência, distribuísse vacinas e medicamentos e realizasse campanhas educativas. Numerosas enfermidades eram causadas pela má alimentação, principalmente das crianças. Havia casos em que os pacientes atendidos não podiam adquirir os remédios indicados por causa do elevado preço. Tal situação continua até hoje inalterada, no essencial.

Na convivência com a população de Porto Franco, Tocantinópolis e Estreito, aprendi a conhecer seus problemas. São cidades pobres cujas prefeituras não contam com recursos suficientes para realizar obras que melhorem a vida do povo, como a pavimentação das ruas, a instalação de redes de esgotos e água encanada. A energia elétrica disponível é precária e incerta. São insuficientes as escolas públicas, cujos professores, além de contarem com vencimentos muito baixos, só os recebem com vários meses de atraso. Lembro bem que os habitantes de Porto Franco mantinham seu Ginásio com grande esforço, às próprias custas, sem ajuda do Governo. O grosso dos impostos recolhidos nos municípios fica retido pela administração federal e estadual, o que limita as verbas disponíveis para a realização das benfeitorias necessárias. Há grande falta de empregos, sendo em geral os salários muito baixos. Isso leva muitos jovens a deixarem suas famílias para virem ganhar a vida nas cidades maiores e numerosas moças pobres caírem na prostituição. Mesmo os poucos que conseguem concluir os cursos ginasial e colegial, se quiserem prosseguir seus estudos, precisam abandonar a região porque lá não existem faculdades.

Assim, a juventude local não tem condições para desenvolver sua capacidade de trabalho e não pode colaborar para o progresso de sua terra. Vê-se limitada a uma vida sem futuro e sem qualquer perspectiva.

A população mais pobre, além de viver na miséria, atravessa uma situação de insegurança sobre o dia de amanhã, sobre a alimentação e educação de seus filhos, pois as oportunidades de trabalho são poucas e incertas, com ganhos muito reduzidos.

Incomodado com tal situação dramática, que se agrava com o tempo, comecei a denunciar o descaso dos governantes em face das dificuldades do povo, a reivindicar recursos para a assistência médica, o que me tornou alvo das perseguições das autoridades. Vivia-se então como agora, sob uma ditadura feroz, sob o domínio dos militares, que não toleram vozes discordantes de sua política, não admitem a verdadeira oposição popular, oprimem o povo, prendem, torturam ou matam os patriotas, aqueles que lutam pelo progresso e se pronunciam em defesa do povo pobre.

Forçado a deixar a região do Tocantins, não pude então explicar aos amigos as causas daquele afastamento, nem atender aos reclamos da população, inclusive de S. Excia. Revma., o Sr. Bispo de Tocantin6polis, e outras pessoas de destaque, capazes de compreender os prejuízos que acarretaria a falta de médico no lugar. As demonstrações de apoio e propostas de ajuda, que recebi, então, são claro indício da presente necessidade de maior assistência médica para o interior de nosso país. Ainda hoje sou grato aos moradores de Porto Franco e cidades vizinhas por aquelas atitudes.

Desde aquela época, em fins de 1968, estive radicado nas proximidades de São Geraldo, em frente a Xambioá, onde me dediquei à assistência médica e ao comércio de medicamentos. Passei, assim, a residir em zona extremamente abandonada pelas autoridades federais e estaduais, carente das mínimas condições para que seu povo tenha uma vida sadia e feliz. Seus moradores enfrentam enormes dificuldades na derrubada das matas, no serviço da roça, no trabalho dos castanhais e das fazendas, no garimpo e no marisco. Não conseguem, entretanto, melhorar de vida, alimentam-se mal, são atingidos pelas doenças e não podem consultar um médico ou comprar remédios necessários. Muitas crianças crescem sem escola, quase não há estrada e os poucos caminhos existentes foram abertos pelos próprios moradores. Numerosos posseiros têm sido expulsos de suas terras por grileiros ambiciosos, com a ajuda de bate-paus e soldados, que maltratam e humilham os lavradores.

Em abril último, agravaram-se os sofrimentos daquela população, com a feroz investida de numerosas tropas do Exército, Aeronáutica e Polícia Militar do Pará, contra muitos moradores ali radicados. Apoiados por aviões, helicópteros e lanchas, equipados com armas modernas, essas tropas prenderam e espancaram muitos lavradores, assassinaram outros, queimaram suas casas e paióis, saquearam suas propriedades e continuam ainda hoje sua perseguição, perturbando a vida da população e procurando semear o terror naquela área.

Entretanto, muitos perseguidos decidiram não se entregar, refugiaram-se nas vastas matas ali existente e armaram-se com o que puderam para enfrentar a violência das forças armadas da ditadura. Também perseguido, juntei-me a eles, organizamo-nos, e hoje constituímos uma força armada disposta a lutar, não só pela própria sobrevivência, mas pelos interesses do povo, pelo progresso do interior, pela derrubada da ditadura militar e instalação de um governo democrático, que conduza nosso país pelo caminho da prosperidade, da liberdade e do bem-estar.

Nossas forças armadas, as FORÇAS GUERRILHEIRAS DO ARAGUAIA, estão lutando já há cinco meses no Sul do Pará, Norte de Goiás e Oeste do Maranhão e já tivemos vários choques com os soldados da ditadura, tendo-lhes causado perdas em mortos e feridos.

Elaboramos também um programa político, baseado nas necessidades mais prementes da população, divulgado em manifesto intitulado “Em Defesa do Povo Pobre e Pelo Progresso do Interior”. Em torno deste programa foi organizada a União Pela Liberdade e Pelos Direitos do Povo (ULDP), da qual participarão todas as pessoas, tanto as mais pobres - peões, castanheiros, mariscadores, garimpeiros, posseiros como estudantes, funcionários, comerciantes ou qualquer elemento que deseje lutar pela liberdade, pela emancipação nacional e pelo progresso das regiões atrasadas. Dirijo-me aos amigos e a toda a população de Porto Franco, Tocantinópolis e Estreito, bem como aos conhecidos dos municípios de Carolina, Imperatriz, Araguatins, Xambioá e Araguaína, conclamando-os a participarem desta luta. As Forças Guerrilheiras do Araguaia estão prontas a receber todo injustiçado, todo revoltado e inconformado com a atual situação, desde que queiram empunhar armas para libertar o Brasil. Aceitam, também, qualquer colaboração, seja como ajuda material, apoio político ou divulgação do programa da ULDP,

Com as mais variadas formas de participação nessa luta patriótica, crescerá a União Pela Liberdade e Pelos Direitos do povo (ULDP), aumentará sua influência e engrossará suas fileiras. Estou certo de que a grande maioria da população da região juntar-se-á à luta de todo o povo brasileiro por um governo realmente democrático e popular, por um país livre e próspero.

Em algum lugar das matas do Araguaia, 12 de setembro de 1972.

João Carlos Haas Sobrinho.

4 comentários:

  1. Em depoimento na data de hoje, 4/5/2011, após episódio da novela Amor e Revolução, do SBT, foi citado pela depoente Criméia de Almeida, militante da Guerrilha do Araguaia, o nome de João Carlos Haas Sobrinho, como um dos corpos por ela reconhecidos nas filmagens que foi obrigada a assistir quando presa, de corpos de companheiros mutilados pelo exército.
    Sou conterrânea de João Carlos, de São Leopoldo, RS, e desde muito pequena já conhecia o valor deste homem e a coragem com que se entregou ao ideal de liberdade e igualdade. Léa Presser Potrick

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  2. Conheço essa carta muito bem pois a estudei para criar uma HQ sobre o João Carlos Haas Sobrinho.
    Visite meu blog e veja uma amostra.

    www.artediegomoreira.blogspot.com

    Abraços!!

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  3. "Nenhum sacrificio sera feito em vão"

    João Carlos Haas Sobrinho

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  4. veja aqui tb http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:WVzslGm6hpIJ:mepr.org.br/noticias/nacional/481-joao-carlos-haas-sobrinho-combatente-do-araguaia-medico-do-povo.html+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br

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