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sábado, 4 de julho de 2009

A REDUÇÃO NO PREFÁCIO DO TRACTATUS E OS CONTRA-SENSOS DE WITTGENSTEIN

A REDUÇÃO NO PREFÁCIO

Deve ter alguma importância, também, o fato de que a redução do pensamento a proposição seja apresentada como argumento já no Prefácio da obra e ali exibir a condição através da qual esses resultados podem ser estabelecidos. Por isso, vejamos em seguida como Wittgenstein introduz a pretensão inicial dessa obra e, também, o procedimento metodológico (ou postulado lógico) do qual ele se valeu para realizá-la e o seu correspondente resultado filosófico.

" O livro pretende , pois, traçar um limite para o pensar, ou melhor - não para o pensar, mas para a expressão dos pensamen¬tos: a fim de traçar um limite para o pensar, deveríamos poder pensar os dois lados desse limite (deveríamos, portanto, poder pensar o que não pode ser pensado).
O limite só poderá, pois, ser traçado na linguagem, e o que estiver além desse limite será simplesmente um contra-senso." TLP. 1993:131.

O desejo de traçar um limite para o pensar leva Wittgenstein por razões lógicas a traçá-lo na linguagem. Pois se, parafraseando, admitimos que para traçar um limite para o pensar teríamos que poder pensar sobre aquilo que está fora e aquilo que está dentro desse limite, então, teríamos que pensar também o que não é um pensamento.

Parece claro que Wittgenstein quer dizer aí que nenhuma pessoa sensata aceitaria a possibilidade de podermos pensar o que é um não-pensamento, pois, seguindo-se a lei de não contradição e aplicando-a nesse tema, ter que pensar um não-pensamento é uma contradição. Quer dizer, pensar dos dois lados é uma contradição expressa.

Logo, se como afirma Wittgenstein, para traçar os limites ao nosso pensamento devemos pisar dos dois lados da cerca (no lado do que é pensamento e no lado do que não é pensamento), então não podemos sensatamente traçar esse limite no domínio do pensamento. E mais, se tudo aquilo que não é um pensamento é um contra-senso e não pode ser pensado nem expresso pela linguagem, pois está fora dos limites do pensamento na linguagem, então um contra-sen¬so soa algo próximo daquilo que pode apenas ser mostrado.

Mas não é exatamente assim. Porque um contra-senso é justamente o resultado dessa tentativa de dizer o que só pode ser mos¬trado e, sendo assim, ele simplesmente nos afasta do que deve ser mostrado.

Por isso parte da doutrina positiva do TLP consiste em apresentar uma doutrina da proposição que seja correspondente a essas razões lógicas, pois que só nesta encontramos algo semelhante a um pensamento, isto é, que preserve a distinção entre pensamento e não pensamento permitindo, ao mesmo tempo, a determinação e identificação de um não pensamento (contra-senso), sem dissolver essa distinção.

Assim compreendemos porque a doutrina positiva importa numa doutrina negativa a respeito daquilo que não é pensamento que passa desse modo a localizar-se fora dos limites da linguagem e ganha então o nome de contra-senso.

Essa localização dos contra-sensos fora dos limites da linguagem, no entanto, significa que de certa forma podemos identificar as expressões que trazem a marca de não apresentarem um pensamento como expressões que não possibilitam o estabelecimento da sua verdade ou falsidade. E isso depende de um resultado também lógico. Se a proposição é essencialmente bipolar e uma expressão que não é bipolar não é uma proposição, então, tudo aquilo que não for bipolar é um contra-senso.

Mas isso não é, também, exatamente assim. No TLP, Wittgenstein discrimina com base no conceito de "proposição" que envolve a bipolaridade, mais três tipos de expressões que não são bipolares e, também, tipifica entre estas dois tipos que não expressam nenhum sentido.

Vejamos, brevemente, isso para discriminar também mais alguns resultados da obra.

As expressões lógicas são casos limite e desprovidas de sentido, não são como as proposições acima bipolares, isto é, não são passíveis de serem determinadas verdadeiras ou falsas em confronto com o mundo. Essas expressões lógicas são de dois tipos somente. Ambas são determinadas como possuindo um e somente um valor de verdade. A primeira ó a tautologia e é sempre verdadeira, independentemente do que seja o caso no mundo. já a segunda é a contradição e tem o valor de verdade o "falso". Essas expres¬sões não são propriamente proposições, mas sim casos limite da proposicionalidade. Como elas não dependem de um confronto com o mundo para serem verdadeiras ou falsas, podemos dizer que nós compreendemos elas não como "figurações", mas sim como condições lógicas de toda e qualquer figuratividade. Assim o valor de verdade dessas expressões é todo determinado pelos seus sinais componentes sem referir a nada que é ou não o caso no mundo.

De outro lado, Wittgenstein, com base nessa doutrina da proposição, também qualifica as nossas tradicionais expressões filosóficas (que versam sobre assuntos de ontologia, metafísica, ética e estética), como contra-sensos. Segundo ele as proposições filosóficas devidamente examinadas nos levam a concluir que não trazem em si nenhuma possibilidade de determinação do seu valor de verdade, isto é, que não podemos determinar a sua verdade ou falsidade através de um confronto com o que é ou não o caso no mundo (como acontece com as "proposições" que figuram a realidade e por isso são bipolares e tem sentido). Elas, as expressões filosóficas, também não tem um único valor de verdade, assim como as expressões lógicas. Sendo assim, não podemos saber quais expressões filosóficas são verdadeiras ou falsas e, desse modo, não podemos nunca considerá-las como expressão de um "pensamento" melhor que outro. Daí que o resultado negativo apresentado na passagem do prefácio as situa fora dos limites do pensamento na linguagem. São contra-sensos porque não atribuem significado aos seus sinais, isto é, a despeito da expressão "O mundo é tudo que é o caso." estar em perfeita ordem gramatical, ocorre que os seus sinais não tem significado, o que é o mesmo que dizer que nós não saberíamos identificar no mundo o que deveria ser o caso para elas serem verdadeiras ou falsas.

Vejamos agora o último tipo de expressão, o qual, inclusive, é requerido por qualquer teoria que contenha regras. Quer dizer, qualquer teoria que contenha regras deve prever que tipos de resultados são conforme essas regras e quais não.

Digamos que a constatação doutrinária do erro ou do mau entendimento da lógica da nossa linguagem acaba aqui. Se é assim, nós teríamos que admitir um juízo da seguinte forma: "Os filósofos cometeram até então erros gramaticais em todas as suas expressões.", e isso significa que os filósofos, assim como os analfabetos tradicionais, não sabem combinar em expressões algo com significado, isto é, além de não produzirem proposições (bipolares) ou tautologias, expressam de modo equivocado sentenças mal combinadas. mas não é assim, pois segundo Wittgenstein o erro filosófico repousa sobre uma aparência de sentido das expressões filosóficas, não de um mal entendimento gramatical.

Daí que o último tipo de expressão é simplesmente designado como um sem-sentido. Esse "sem-sentido" representa justamente aquelas expressões que não tem caráter filosófico e que além disso não podem ser verdadeiras ou falsas. Elas não são passíveis de serem determinadas verdadeiras ou falsas, porque nós não saberíamos determinar o que deveria ser o caso no mundo para elas terem um valor de verdade, não por falta de significado dos seus sinais, mas sim pelo modo como esses si¬nais são combinados. O exemplo pode ser " E, cachorro, porém.".

Portanto, a relação entre pensamento e proposição pode ser interpretada como uma redução em Wittgenstein resultante da limitação do pensar através da linguagem que acaba por determinar a natureza de mais três tipos de expressões.

Assim, o pensamento tem uma única forma de manifestação na linguagem sob a proposição que mostra o que é o caso ou não, no mundo e, por consequência, toda e qualquer expressão que não permite a determinação da sua verdade ou falsidade em confronto com o mundo, é então o resultado de um mau entendimento da lógica da nossa linguagem e é, também, um não-pensamento.

Desse modo, o resultado filosófico principal da obra é que as expressões filosóficas em geral e, em particular, as expressões do TLP são contra-sensos. Daí que o penúltimo aforismo cumpre o seu papel construindo o fecho da obra.

Em 6.54 o TLP expressa o resultado filosófico assim:

"6.54 As minhas proposições elucidam dessa maneira: quem me entende acaba por reconhecê-las como contra-sensos..."
E, exemplifica, no mesmo aforismo, o que se deve fazer ao compreender esse resultado:
"... Deve sobrepujar essas proposições, e então verá o mundo corretamente."

Isto é, que entende Wittgenstein reconhece contra-sensos como algo que nos afasta de uma correta compreensão do mundo.

E, finalizando, o resultado negativo da obra é expresso no seu último aforismo:
"7 Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar.”

Mas resta uma quantidade razoável de dúvidas sobre essa redução paradigmática.

PS.: PARTE II DE ENSAIO DE 1995.

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