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terça-feira, 23 de junho de 2009

O EU EXISTENTE E O EU DA REGRA - FILOSOFIA

O EU EXISTENTE E O EU DA REGRA*

Ein Ausdruck hat nur im Strome
des Lebens Bedeutung.
Ludwig Wittgenstein

Alguns filósofos sustentam que o “eu”, com o qual a investigação filosófica se defronta, é determinado pela sua natureza semântica. Parece, porém, que nem todos tem em mente uma característica unívoca do “eu” que estaria a ser apresentada em expressões filosóficas.

Ela poderia ser caracterizada como unívoca se em seu uso é sempre substituível, salva veritate, por outra expressão que cumpra o seu papel na situação lógica, é dizer, que siga uma regra analítica de intersubstitutividade com outro pronome ou expressão, preservando a referência lógica do nome a um objeto, como sempre, do sinal à coisa. Trata-se, como assinalou Frege, da introdução do conceito de função saturada no domínio do pensamento.

A regra analítica presente nos contextos em que o “eu” é usado, seja para demonstrar uma condição transcendental do pensar , seja para indicar o sujeito que argumenta no curso de uma demonstração filosófica ou de uma ação. Diz-se, tem referência ou é fato.

Ora, isso parece indicar também uma figura clássica do pensamento filosófico . É a apresentação do ser do mesmo modo que é a compreensão do pensamento. A figura apresenta o que é como aquilo e somente aquilo que é pensado. Assim, interessa ver melhor alguns dos traços dessa figura para, talvez, encontrar nela também uma entidade já conhecida no discurso cotidiano e habitual dos homens.


O EU TRANSCENDENTAL

Faz parte dessa figura de pensamento que o “Penso, logo existo.” de Descartes indica, algo que parece estar pressupondo uma analogia verbal entre “penso” e “eu penso”. Isto é, uma condição transcendental de todo o pensar, a saber, que exista um “eu” como suporte do pensamento, como condição lógica e ontológica de qualquer pensamento .

Seja este “suporte” ainda duvidoso quanto a sua existência material ou substantiva, seja este, após algumas providências, um conhecimento seguro, teríamos, então, que verificar de que modo essa figura pode ser colocada em tela e que se recuse a legitimidade de todas as questões sobre a importância dela para a filosofia.

Quase do mesmo modo, podemos dizer que o “Eu penso que deve poder acompanhar todas as minhas representações.” de Kant indica também uma condição transcendental de todo pensar, a saber, que estas representações sejam minhas e que isso pode ser demonstrado pelo meu “eu penso” que pode sempre vir acompanhando e ligando elas em meu pensamento.

Isso quer dizer que, nos dois contextos, o “eu” que pensa em Descartes e Kant, a despeito de estar no curso de uma argumentação filosófica deveras despersonalizado, faz uma referência segura a um “eu existente” ou um “sujeito de vontade”, ainda que não esteja em questão no contexto em que ambos argumentam se ele é material ou empiricamente existente ou se, ao contrário, trata-se de uma substância imaterial.

Sabe-se, por certo, que a res cogitans e o eu transcendental, não são ainda determinados empiricamente. Mas de um modo bem rigoroso eles estão ali como sujeito lógico e, por isso, condição de toda e qualquer representação, seja ela empírica - mundana e real -, seja também ela uma representação pura, divina ou superior.

Outros julgam atualmente que, ao contrário, o “eu” da filosofia tem uma multiplicidade de referências segundo contextos de uso e isso quer dizer, nada mais nada menos, que o “eu” é sempre relativo ou sempre fragmentado em suas exposições.

Mas, pode-se encontrar no “eu” também, segundo outros, uma determinação gramatical do pronome pessoal que visa determinar não a intenção em um certo contexto, mas sim a regra subjacente ao uso do pronome. Nesse sentido, o “eu” é sempre relacional que percorre algumas modalidades determinadas e que, nas palavras de Tugendhat, tem sido mal compreendido, pois:

“...se entendeu mal a função da palavra “eu”, pensando ser ela um nome que representa algo, a saber, o eu. Na verdade, o uso da expressão “eu” é outro; eu é uma expressão indexical. Outros exemplos de palavras indexicais são as palavras “aquilo”, “aqui”, “amanhã”. O característico destas expressões é que elas identificam algo, porém de um modo relativo a situação em que se fala. Por isso, essas expressões não tem objetos fixos, não identificando algo de uma vez por todas como o fazem os nomes próprios. Ao contrário, depende da situação qual objeto é identificado por uma expressão desse tipo, e, se a situação muda, tem de se usar uma expressão indexical do mesmo grupo.”
E, desse modo, para o moinho pós-moderno, o “eu” é relativo a uma regra e, em todos os seus registros, se mostra fragmentado . Mas parece, entretanto, óbvio que da sua diversidade de significados, não se segue uma diversidade de operações ou de sujeitos lógicos para os quais ele estaria acidentalmente referido .

O uso do pronome pessoal “eu” em ambos os casos parece ser ontologicamente comprometido com a tese de que há algo “existente” que lhe corresponde .

SEMÂNTICA E OPERAÇÃO

A confusão frequente (que parece uma disputa acadêmica) sobre a modalidade de relação entre o aspecto semântico-referencial e o aspecto gramático-operacional deve, entretanto, ser elucidada e, se possível, dissolvida.

E eu creio que o modo de fazê-lo envolve uma exibição de que ambos aspectos podem ser distintos filosoficamente, mas que, entretanto, são cotidianamente compreendidos em conjunto e usados pelos usuários da linguagem de um modo associado na palavra “eu”.

Pois, por um lado, não podemos sustentar que o eu filosófico esteja, nos contextos em que ele é considerado por diversos autores, limitado e confinado ao seu aspecto semântico indeterminado . E, por outro lado, não parece ser possível limitar o uso filosófico do pronome “eu” a uma tentativa confusa de exibição de alguma verdade que, no fundo, faz confusão entre entidades da linguagem (palavras) e entidades do mundo (coisas).

Uma boa expressão dessa forma de consideração é encontrada em textos que muitas vezes parecem apontar para um “eu existente” como este próprio texto.

FILOSOFIA ANALÍTICA

A filosofia analítica é uma das correntes filosóficas que desde as suas origens sustenta, contra uma filosofia da consciência, que o “eu” é um mero elemento da linguagem cotidiana que não ganha nenhum valor mais nobre ou profundo ao ser usado por filósofos. Em geral, a abordagem se presta a mostrar que o “eu” ou, também, a subjetividade é vácua, isto é, não indica coisa alguma. Ou seja, a interpretação em jogo aqui indica somente uma função com o deíctico “eu”, a saber, algo pode ser saturado. Pareceria que o “eu” é usado aí simplesmente como suporte de crenças ou, nos termos antes apresentados, como indicando um “sujeito lógico”, mas de fato ele apresenta somente uma função.

Para atingir este resultado, os filósofos analíticos, procedem a alguns expedientes de interpretação de algumas expressões em que o “eu” encontra as suas nuances explicitadas e as suas determinações conceituais determinadas.

Vejamos algumas expressões desse tipo e, antes de realizar a análise delas e classificá-las, através de uma discriminação dos seus traços mais visíveis, vamos somente tentar compreendê-las. A lista de expressões “filosóficas” em que pode constar o pronome “eu” pode ser a seguinte:

1. “Eu penso tal”;
2. “Eu penso que tal e tal”;
3. “Eu sei”;
4. “Eu creio”;
5. “Eu sinto”;
6. “Eu vou”;
7. “Eu espero”;
8. “Eu vejo”;
9. “Eu gosto”;
10. “Eu estou angustiado”;
11. “Eu mesmo verifiquei isso”;
12. “Eu estou aqui”;

Alguns exemplos de abordagens analíticas destas expressões já foram produzidas por filósofos como Wittgenstein, Ryle, Austin, Davidson, Quine, Tugendhat, Anscombe, Williams, e outros.

Entre o conjunto de problemas filosóficos suscitados pelo exame do uso do pronome pessoal “eu”, parece ser um problema de interesse central a determinação e uma certa elucidação, ligada ao exame semântico ou gramatical do uso e da regra correspondente a esse uso, e de qual vem a ser em diferentes contextos a referência desse deíctico e a caracterizar precisamente a força lógica de cada um dos usos acima.

Na tábua de testes podemos começar pelo que pode ser negado, sem contradição.

1. “Eu não penso tal”, sem contradição;
2. “Eu penso que tal e tal”, sob a regra;
3. “Eu sei”, independente;
4. “Eu creio”, sem contradição;
5. “Eu sinto”, sem contradição;
6. “Eu vou”, sem contradição, voluntário;
7. “Eu espero”, sem contradição;
8. “Eu vejo”, sem contradição;
9. “Eu gosto”, sem contradição;
10. “Eu estou angustiado”, sem contradição;
11. “Eu mesmo verifiquei isso”, sem contradição;
E acabamos naquilo que não pode ser negado:
12. “Eu estou aqui”, contradição.

A apresentação de contextos em que o pronome tem o seu uso afetado por uma certa opacidade referencial tem sido constatada como eficaz contra a tendência de se considerar o pronome como uma regra de uso unívoca, isto é, com uma única pretensão indicativa.
REFERÊNCIAS SIMPLICITER

É constante e corrente, nas investigações filosóficas, que se faça, para diversas finalidades, uma distinção entre coisas simples e complexas. E isso é valido também para algumas expressões da nossa linguagem.

Wittgenstein, por exemplo, faz uma confissão privada a Malcolm que pode nos ajudar a entender um pouco que traços lógicos ou ontológicos podem estar envolvidos nesta discussão entre o simples e o complexo.

Segundo Malcolm:

“Perguntei a Wittgenstein se ao escrever o Tractatus lhe havia ocorrido algo que ele considerasse um exemplo de “objeto simples”. Respondeu que por aquele tempo ele acreditava por si mesmo que era um lógico, e que não lhe dizia respeito, por ser um lógico, o objetivo de determinar se esta ou essa coisa era uma coisa simples ou complexa, já que se tratava de um assunto puramente empírico.”

Quer dizer, aplicando essa lição, se o “eu” tem ou não uma característica simples ou complexa, isso não deve ser objeto de investigação de uma lógica e, ainda, se ao contrário, ele tem uma característica complexa, então parece ser certo que decidir sobre o seu uso legítimo envolve um exame empírico. Mas que tipo de exame empírico parece estar sendo sugerido sobre o ‘eu’.



O ARGUMENTO DE MOORE SOBRE O “BEM”

Do mesmo modo que MOORE sustenta que foi a confusão da simplicidade analítica de “Bom” que levou muitos filósofos a identificar inadequadamente “bom” com outras propriedades complexas, podemos dizer que também o “eu” de que trata a filosofia tem uma certa simplicidade analítica que, entretanto, não é reconhecida o que levando os filosófos a procurar análisá-la ainda, isto é, a buscar no “eu” uma propriedade complexa ou até identificá-lo a propriedades complexas, faz com que eles busquem uma referência para o “eu”.

Segundo o resultado da aplicação do argumento de MOORE, a identificação ou busca seria, então, inadequada, pois que, parafraseando o argumento: em se tratando da noção de “eu” nada existe que possa ser colocado em lugar dela.

E como é isto o que Moore entende quando diz que a noção de “bem” não é semanticamente definível, isto é, não tem nenhuma referência, é isto que pode ser considerado também sobre o “eu”, ou seja que, da mesma forma, o eu não tem no curso da investigação filosófica nenhuma referência, desde que para indicar a referência tenhamos que indicar um objeto correspondente ou exibir a sua definição semântica.

Parafraseando o autor do Principia Ethica, parece ser possível entender a relação do seu argumento para o “bem” e aquela indicação, que parece ser implicada no Tractatus de Wittgenstein, de que estaríamos a tratar aí de algo inefável.

A redução do “eu” à esfera das coisas que são ditas, e a identificação das propriedades do “eu” com “algo que é um eu” é o que, em relação ao conceito de “bem”, designaria MOORE de uma falácia naturalista.

A falácia naturalista pode ser compreendida como uma redução da função semântica do “eu” como partícula indexical, a uma referência ao “eu existente” com característica ontológica, isto é, particular e contingente, o que pode ser dito por outra via de acesso como uma redução do dever-ser, do universal como regra semântica ao particular como caso, isto é, ser.
AS TRÊS FAMÍLIAS

Exemplos dessa redução poderiam ser agrupados, assim como os exemplos da redução do “bem” em Moore, em três famílias:

I - A que sustenta que o “o único eu é existencial”;

II - A que identifica “eu como uma realidade supra-sensível”;

III - A que identifica o “eu” a uma partícula da linguagem e que só nesse sentido é referencial.

Todos esses sistemas reduzem o “eu” a “eu existente”, “dever-ser” a “ser”, cometendo assim as inferências sofísticas já advertidas por Aristóteles. É dizer, segundo Aristóteles, que podendo pensar algo como regra, tomar algo como um conceito ou universal, tenta-se a inferir a existência de um objeto correspondente na realidade.

O EU EXISTENTE

Um dos fatos que, entretanto, pior para a teoria, inspiram mais confiança em nosso entendimento comum contradiz a hipótese de que quando eu falo em primeira pessoa, num texto, estou fazendo um uso meramente figurado do pronome.

Não parece ser o caso. Pois, boa parte do que eu falo ou escrevo, ainda que podendo ter um valor de verdade indeterminável, é um resultado do meu labor interior ou, nos termos de Aristóteles, da divisão ou união de conceitos que eu consigo efetuar. Eu poderia negar que tudo isso que eu disse atrás poderia ser expressão do meu eu?

Ora, ainda que eu possa corrigir o que escrevo ou queimar o que eu registro, não me parece haver opacidade alguma entre algumas expressões no presente contexto, tais como:

Daniel escreveu uma página.

Ele, tinha a página escrita entre as mãos.

“Eu escrevi uma página.”

“Acabei uma página.”

Claro, desde que se entenda uma relação sempre presente aí entre o uso expressivo declarativo e o uso expressivo descritivo do pronome como condicionada para fins de determinação da sua referência pelo seu presente contexto de declaração.

Mas quem me ouve dizer “Escrevi um página.” constata “Ele afirma ter escrito uma página.”?

No sentido direto, parece que sim. Mas quando Descartes diz em sentido aparentemente oblíquo: Eu penso, logo eu existo. Como nós reagimos? Nos vem a mente a expressão: “Descartes pensa, logo Descartes existe.”?

Este trabalho, nas suas intenções mais profundas, procurou mostrar que, em relação a essa questão, Descartes usa o “eu” não para falar de si mas sim para falar da primeira condição sob a qual eu mesmo posso fazer referência a algum pensamento meu e, com isso, comprometer-me com a minha própria existência ou, também, com a possibilidade de verdade de certas proposições. É a descoberta da vontade e das suas decorrentes exposições.

CONCLUSÃO

Uma consequência é certa: se o pronome “eu” é meramente acessório, então, nenhum tipo de prova filosófica a ele vinculada pode ser demonstrada como possuindo todas as condições de verdade analiticamente satisfeitas. De outro lado, se ele não é acessório, então ele é fundamental para que todas as condições de verdade de uma proposição sejam dadas.
Isso quer dizer, em termos linguísticos que, se o “eu” não está ligado a um outro na proposição, então a proposição jamais pode ter todas as suas condições de verdade dadas, isto é, então não há um “eu” que produza a proposição. Em termos kantianos, essa tese é reapresentada na Refutação do Idealismo, como dizendo: não há eu sem que seja dado algo permanente na percepção. Ora, como a filosofia, justamente, caracteriza-se por afastar-se de qualquer coisa que possa ser dada na percepção, então não há “eu da regra” em sentido filosófico que permita inferir um “eu existente”.

Mas, nesse caso, o “eu” da filosofia tem um caráter, ao fim e ao cabo de qualquer análise, formal. E parece ser isso que, nos primórdios, a Filosofia Analítica de um modo pressuposto estava a dizer, ao colocar o “eu” filosófico, fora do mundo, como em Wittgenstein, ou, então ao considerá-lo um mero elemento gramatical sem pretensões subjetivas ou psicológicas.

Mas, se concebemos que não há proposições sem um “eu” que as produza, então é necessário que para cada proposição que se apresente com pretensões de verdade exista, pelo menos, um “eu” subjacente. A pergunta final será, então, assim formulada: faz sentido falar do “eu da regra” sem pressupor o reconhecimento de um “eu existente”?

NOTAS:

* Este panfleto foi concebido como uma forma de dar luz ao trabalho que me é sugerido pelas inquietações, talvez superficiais, que me são provocadas pela problemática envolvida sob o curso “Autoconsciência e Argumentação Filosófica” do Prof. Paulo Francisco Estrella Faria. As dificuldades com a forma de apresentação me parecem ser essenciais para a compreensão dos poucos tópicos examinados aqui.

Uma “condição transcendental do pensar”, não é de modo algum ainda uma condição de conhecimento. Posso pensar o que quiser, mas isso ainda não é um conhecimento. Assim , essa “condição”significa apenas (se isso é pouco) a possibilidade de pensar e exibir a regra ou conceito com o qual penso. Isto é, considerado meramente como regra. Posso, então, perguntar se ainda não tenho um conhecimento?

Tomo emprestado aqui o conceito de figura de Wittgenstein, como forma de frisar a interdependência entre o estado de coisas e algo que na sua origem é a condição primeira da sua constituição, a saber o “eu” que contempla, representa, figura e diz algo sobre alguma coisa. Um outro uso do conceito de “figura”é anterior ao nosso.

Conf. DESCARTES, R. Meditações de Primeira Filosofia. & Discurso do Método.
Independente da recusa da existência do que é pensado.

Conf. KANT, I. Crítica da Razão Pura. B 131-132.

Nesse caso, a investigação deveria ser encaminhada em direção de um exame dos diferentes contextos de uso, com vistas a determinação do papel do pronome nesses contextos. Pareceria mais interessante, se há trilhos sobre os vagões que seguem, que o “sujeito lógico” e o “sujeito de vontade” encontram-se como condições necessárias de toda expressão - substituível salva veritate - indicativa de um agente ou suporte da regra.

Quero frisar a diferença entre considerar o “eu” como relativo ou, então, considerá-lo como relacional. No primeiro, considera-se o “eu” como um pronome para diversos fins na linguagem. Já no segundo, considera-se o “eu” como submetido a uma regra e, por isso mesmo, não assegurando, até uma demonstração a ser constituída ( sabe-se lá como), uma referência no mundo. Nesta face, encontramos as modalidades de negação, afirmação (não simbolizável), temporalidade, lugar, etc. O relativo se dispersa, enquanto o relacional focaliza. A primeira versão relacional é de interesse na interpretação das figuras de linguagem e da literatura em geral, incluindo alguns textos filosóficos. Porém, a segunda versão indica, antes de qualquer acidentalidade, as regras sob as quais se está fazendo um uso legítimo da expressão na linguagem. Essa segunda versão está preocupada com o papel do “eu”, por exemplo, no estabelecimento da verdade de algumas proposições ou, então, na compreensão das condições de verdade de algumas proposições com o seguinte tipo lógico “Eu sou”. A consideração ontológica é anterior à negação, pois algo faz algo quando algo é negado ou afirmado. Dizer “é” é anterior ao “não”.

Conf. TUGENDHAT, Ernst. O EU. in: ANALYTICA. v. 1, n.1. 1993, p.10. Me parece ser essa idéia que no fundo guia a análise da regra de uso para a interpretação do caso em que a regra se instância.

Vou agora misturar, por consequência as “más” intenções pós-modernas e as “boas” intenções analíticas. O uso do “eu” é, então, sempre condicional.

A tese pós-moderna é profundamente psicologista. Quer dizer, está ocupada com critérios de conhecimento e determinação de certos “estados mentais”.

É dizer, há uma regra de uso única no uso expressivo do pronome.

Quer dizer, é sempre indicativo de um sujeito não proposicional, ainda que a sua referência não tenha sido determinada como empírica.

Operar com uma regra aplicando-a não é o mesmo que examinar a legitimidade da aplicação. Nesse caso, aplicar a regra é usá-la na linguagem, mas examinar a legitimidade do seu uso é, bem mais, ver o que ela significa e se ela significa alguma coisa. A diferença aí pode ser mais explicitada se considerarmos um aspecto não trivial no nosso uso da linguagem, a saber, que usamos as regras quando isto é feito para proposicionalmente falar de fatos, não das regras mesmas.

É dizer, quase referencial. Um exemplo clássico é, já citado acima, encontrado em Descartes. E podemos também incluir Kant e Hegel nessa vertente não referencial. No caso, o “eu” da filosofia parece indicar um “sujeito lógico” não intra-mundano como diria Heidegger e, também, parece indicar algo “inefável” como no TLP de Wittgenstein ou num sentido mais claro, parece indicar uma espécie de condição absoluta da intersubjetividade discursiva que, no entanto, como absoluto não tem uma referência.

MALCOLM, Norman. Recuerdo de Ludwig Wittgenstein.in: Las Filosofias de Ludwig Wittgenstein. Org. Ferrater Mora. p.85 (a versão para o português é minha.)


PS.: Não vou corrigir nem retocar. Texto inédito produzido em 08.06.1996.
Nos tempos de pós-graduação eu tive o péssimo hábito de fazer sempre algo mais. Se me perdi ou me achei é outros quinhentos. Se me perdi que valha para evitar outras perdições. Se me achei....

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