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sexta-feira, 26 de junho de 2009

Aristóteles e Kant: notas de uma controvérsia sobre o PNC

KANT E O PNC DE ARISTÓTELES: UM ESBOÇO*

Poderia parecer uma audácia oferecer uma interpretação divergente de um autor clássico como Kant e pareceria ainda mais precipitado se isso, ainda por cima, dissesse respeito à uma certa passagem de outro autor clássico como Aristóteles, mas isso é, em uma exploração inicial, o que se procura apresentar aqui.

Este estudo é mais e é menos do que isso. Primeiro, porque não se limita em procurar nem gostaria de ultrapassar alguma tentativa de correção de Kant e, em segundo lugar, porque o que é corrigido é somente uma posição que Kant apresenta em uma pequena linha do seu texto, o que, é preciso dizer: ainda é pouco. E o interesse nesse estudo está concentrado não tanto na possibilidade de corrigir um clássico como Kant ou Aristóteles, mas sim em compreender, a partir de um pequeno exame gerado por essa pequena linha de Kant, um traço importante de um ponto clássico de Aristóteles, a saber, do seu princípio de não contradição .

Nesse sentido, o objetivo principal deste trabalho é dar ênfase a um dos traços lógicos marcantes do princípio de não contradição de Aristóteles, e isso é feito a partir de um exame de uma expressão que é enfocada no modo como Kant interpretou esse traço numa certa formulação aristotélica desse princípio.

Trata-se de uma reeleitura de uma passagem presente na Crítica da Razão Pura , em que Kant se põe a interpretar como um índice temporal uma certa expressão que, como pretendemos mostrar, tem um caráter analítico, isto é, Kant se põe a interpretar como uma referência indicativa de um evento entre outros no tempo o que, na fórmula do princípio, segundo a nossa interpretação, é uma expressão que comparece e é de uso analítico no princípio de não contradição de Aristóteles.

Especificamente e restritamente , numa passagem, numa linha, presente em Do Princípio Supremo de Todos os Juízos Analíticos , B 189-193, da Crítica da Razão Pura, Kant permite sugerir que ele está enganado no modo como ele interpreta a expressão de Aristóteles do PNC “é impossível que algo seja e não seja simultaneamente” como contendo “uma síntese introduzida nele por descuido e de modo completamente desnecessário” (B 191, g.n.). Kant faz isso não somente através de uma certa interpretação da expressão “simultaneamente” contida no enunciado do princípio de Aristóteles , mas também por causa de uma certa interpretação do que vem a ser propriamente uma síntese no seu programa .

Kant acusa esse descuido de Aristóteles porque para ele contendo tal acréscimo o PNC não é mais um princípio analítico, mas sim um princípio sintético do uso do entendimento. A consequência dessa interpretação de Kant é simpliciter: Aristóteles não tinha clareza sobre o que estava fazendo ao pôr “simultaneamente” nessa formulação do princípio de não contradição.

Pareceria ousado tentar corrigir Kant em diversos aspectos, mas nesse ponto controverso ele incorreu num erro. Caso tivesse dado atenção ou analisado no pormenor que papel cumpre a expressão “simultaneamente” no princípio e no contexto de Aristóteles, poderia sem muita dificuldade ter entendido que é com essa expressão que fica excluída do princípio a temporalidade e que, em certos termos, é com esta expressão precisamente que o princípio se torna absolutamente analítico, não envolvendo, nem no pormenor, alguma síntese .

Para explicar melhor o nosso ponto e mostrar com algum destaque isso podemos começar por uma análise da função temporal de um dos usos possíveis das expressões “ser simultâneo a” e de sua companheiras categoriais “ser sucessor de” ou “ser antecessor de”. Depois disto vamos interpretar uma versão de uso da expressão “simultâneo” que exclui, justamente, o caráter de uma necessária determinação temporal no princípio, isto é, que exclui um uso categorial referido às categorias acima. Em sequência vamos mostrar que nos termos aristotélicos o que faz do princípio um princípio analítico por excelência é justamente esta expressão “simultâneo” que figura na fórmula. Isso significa, deve-se anotar, por um lado, que não há nenhuma síntese introduzida no princípio de Aristóteles e, por outro lado, que a expressão “simultâneo” presente no princípio de não contradição não foi introduzida nele por descuido ou desnecessariamente.
I

Estas expressões temporais “ser simultâneo a” e “ser sucessor de” ou “ser antecessor de”, desempenham e podem desempenhar um papel determinado quando submetemos, nos termos de Kant, algumas intuições sensíveis à forma do sentido interno que é o tempo. Com elas podemos diferenciar e localizar no tempo, por exemplo, os números ou, então, numa perspectiva representacional sobre aquilo que nos é dado sensivelmente ou externamente, a ordem em que certos objetos nos são dados. Mas a própria análise desse uso temporal da expressão “simultâneo” permite introduzir, como se verá, um uso não temporal dessa expressão, nesse exato sentido, esse exemplo que vamos introduzir - se é que isso é um bom exemplo para compreender o que procuramos - permite cunhar ou, melhor, identificar um uso analítico desta expressão.

Podemos, num exemplo trivial, supor que Fernando está de aniversário e que sua mãe faz questão de registrar os presentes recebidos em uma lista minuciosamente completa na qual, inicialmente, é importante diferenciar a ordem de recebimento dos presentes de aniversário de Fernando. Alguém, nessa festa de aniversário hipotética, estará dizendo e registrando na lista que o presente recebido de Paulo é sucessor do presente recebido de José que, por sua vez, é sucessor do presente recebido de Rosa.

Podemos dizer também que o presente de Rosa é antecessor do presente de José e que, no mesmo sentido, o presente de José é antecessor do presente de Paulo. Nesse exemplo, pelo menos até aqui, não foi apresentado nenhum caso de algum presente que é recebido ou entregue simultaneamente à outro presente.

Bem poderia ser o caso, também, que o aniversariante recebesse presentes simultâneos, afinal Fernando tem duas mãos e a sua festa de aniversário é bastante concorrida. Isso, entretanto, não significa que na ordem dos registros não possamos diferenciar numa certa ordem temporal o presente que foi dado à mão direita do aniversariante do presente que foi dado à mão esquerda do aniversariante. Um observador acostumado com este evento familiar não terá dificuldade em perceber qual mão recebe e de quem o primeiro presente e o segundo presente.

Poderíamos, entretanto, para efeitos de uma determinação temporal exata, dado que o observador é um iniciante nessas questões familiares, usar um monitor temporal que nos permitisse determinar exatamente qual presente é dado à qual mão nessa ordem de antecessor e sucessor temporal. No monitor temos, afinal, uma possibilidade de discriminar perfeitamente, em milésimos de segundo, qual presente vem ou, melhor, chega antes do outro. Não encontramos ainda nada simultâneo aqui. Mesmo assim, ainda que se verifique ao monitor que as entregas coincidem temporalmente em milésimos de segundo, poderíamos eleger a mão direita como o critério soberano da ordem nos casos em que há coincidência temporal para efeitos de determinação do sucessor ou antecessor, isto é, quando houver simultaneidade exata no nosso preciso e rigoroso monitor temporal daremos prioridade a mão direita de Fernando. Tudo se passa, então, soberanamente como se a mão esquerda de Fernando só recebesse presentes depois da mão direita de Fernando.

Mas poderíamos também, em outro sentido, sugerir que nesse caso não fosse exigido o registro minucioso do “sucessor” e do “antecessor” em uma lista da ordem de entrega dos presentes - e que podemos tomar como efetivo que Lúcia e Isabel entregaram os presentes simultaneamente à Fernando e assim registrar. Nesse caso nós vamos tomar a conjunção das mãos na entrega dos presentes como um índice de simultaneidade e vamos jogar fora o monitor temporal e também a pretensão de determinar exatamente qual presente é dado primeiro. Ao jogar fora esse monitor temporal nós simplesmente contrariamos a disposição inicial do aniversário, isto é, passamos a registrar, contrariamente à ordem da mãe de Fernando, uma outra ordem de recebimento dos presentes. Podemos agora registrar nessa ordem presentes simultâneos.

Ora, é exatamente nesse ponto que poderíamos passar a recusar também a necessidade de distinguir as mãos de Fernando e é exatamente nesse ponto que poderíamos dizer que Fernando, aconteça o que acontecer, sempre recebe um presente de cada vez, pois a conjunção foi excluída e com ela a possibilidade de haver alguma forma de simultaneidade temporal no recebimento dos presentes de Fernando. Isto é, ele recebe um presente de cada vez. Fernando torna-se um maneta.

II

Agora surge a oportunidade de se compreender como esse exemplo nos permite
chegar até um uso não temporal da expressão “simultâneo”. Se utilizarmos agora explicitamente o PNC de Aristóteles para elucidar alguns dos eventos dessa festa de aniversário se verá em que sentido específico Aristóteles usa a expressão “simultâneo”.

Digamos que Fernando esteja ainda recebendo os seus presentes e que Beatriz se aproxime dele para entregar-lhe o seu presente de aniversário. Fernando com a sua fina cordialidade sorri e estende a mão à Beatriz. Esta lhe dá um pacote vermelho, com uma fita amarela, e exclama: “Querido Fernando espero que você goste deste presente que eu escolhi!”. Fernando afirma com um olhar meigo e jovial: “Ora, Beatriz os teus presentes sempre são perfeitos para mim!” e complementa após um sorriso suave: “Este presente que você me dá não será diferente para mim!” Beatriz se afasta e Fernando continua a receber os seus presentes.

Ora, nesse quadro Fernando - esse nosso amigo veraz - poderia ter dito para Beatriz: “Isso não é um presente!” enquanto está a recebê-lo entre as mãos? No caso, faria algum sentido dizer nesse instante quase perpétuo “Isso é um presente e isso não é um presente.”? Tirando as circunstâncias em que Fernando brinca com as palavras - e Fernando jamais brinca com as palavras na frente das visitas - Fernando não diria isso.

Esse último exemplo serve como uma aplicação, digamos, sintética do PNC, pois Fernando não diz enquanto recebe sensivelmente algo que esse algo é e não é. O PNC de Aristóteles que Kant acusa de sintético expressa “é impossível que algo seja e não seja simultaneamente” vamos ver o contexto em que ele é, em sua forma, analítico.

Bem poderia ser o caso agora que Fernando encontra-se num contexto diverso do seu aniversário. No caso, após os convidados se retirarem da festa de aniversário Fernando está com o presente de Beatriz entre as mãos e começa a abrí-lo. Após retirar cuidadosamente a fita amarela e após retirar o papel vermelho que envolvia uma caixa de cartão, Fernando abre a caixa e exclama para si: “Oba, um chapéu panamá!” Fernando não tem dúvidas de que isso é um chapéu panamá e, mais que isso, ele conhece um chapéu panamá à distância, pois se acostumou a identificar alguns dos seus amigos em meio à multidão por causa desse elegante adereço.

Nesse contexto específico, Fernando não pode dizer que o chapéu é e não é panamá, pois ele sabe o que é um chapéu panamá e é isso que ele põe sobre a cabeça agora. Nesse sentido, o contexto isolado nos permite dizer que Fernando está a subscrever uma certa versão lógica do PNC de Aristóteles. É impossível que Fernando - que em alguns contextos até faz a política do sinal trocado - diga para si mesmo que esse algo é e não é.

É, portanto, nesse contexto que Fernando significa algo, subscrevendo o princípio de não contradição, e nesse contexto do seu dizer não entra em discussão de forma alguma se há algo que sucede ou que precede esse dizer ou fazer. Nesse contexto, designar “Este chapéu panamá.” não é simultâneo a nada mais. A única coisa simultânea aí poderia ser o chapéu entre as mãos, na cabeça, no chão ou sobre a mesa.

Ora, como a versão do PNC de Aristóteles que está em jogo aqui é aquela em que ele procura fazer um certo opositor pedagogicamente reconhecer o princípio de que “é impossível que algo é e não é simultaneamente” em Gamma 4, não requer mais do que uma “palavra”, isto é, que o opositor signifique algo para si e (ou) para outro, então o tempo não entra em questão aqui. E é nesse quadro razoavelmente rígido que não vale dizer simultaneamente X e não-X. Mais que isso, com a modalidade (é impossível) que Aristóteles usa aí, dizer simultaneamente X e não-X é impossível. Algo que é impossível necessariamente de ser dito ou feito está a ser indicado aí. E isso é algo profundamente irrefutável, pois se é condição do significado é, também, condição da possibilidade mesma de afirmar ou contrariar algo.

A simultaneidade aí em jogo é focal . Não se trata da possibilidade de dois presentes chegarem juntos às mãos de Fernando, mas sim da impossibilidade de Fernando significar um presente contraditoriamente.

Assim parece ter ficado claro que a expressão “simultâneo” no princípio e no
contexto por nós indicado não envolve nenhuma síntese na sua forma, pois não se trata de uma determinação temporal que venha a discernir um evento de outros eventos, isto é, ela não figura aí para indicar um presente entre os presentes, mas sim para indicar um presente e o seu significado. Talvez atraz disso esteja uma certa determinação omnitemporal que serve para discernir um ato único, num tempo único, sobre um objeto único.

Após esse devaneio de elucidação sobre estes exemplos de expressões temporais e não temporais temos alguns resultados que por transposição ao princípio de Aristóteles podem nos ajudar a compreender o seu uso da expressão “simultaneamente” no PNC. Estes resultados são relativos às modalidades de uso dessas expressões e se não estivermos errados na nossa experiência de exemplificação anterior, podemos discriminar os seguintes resultados:

1) há um uso temporal de “simultâneo” exemplificado no caso do aniversário;
2) há um uso não temporal de “simultâneo” apresentado no caso do chapéu.

III

O uso que Aristóteles faz dessa expressão não é, queremos ainda destacar, nesse contexto do princípio, propriamente a introdução de uma qualidade temporal, mas sim a abstração de uma certa diversidade no tempo, pois parece ser plausível que podemos usar “simultâneo” quando é dado somente um objeto num único tempo e quando este objeto é significado num único tempo.

Ao dizer que “é impossível que algo seja e não seja simultaneamente” Aristóteles não está usando o “simultaneamente” aí para simplesmente dizer “ao mesmo tempo” dentro de um tempo em que são dados diversos objetos (os presentes do nosso exemplo), mas sim “num único tempo” em que é dado um único objeto. Esse “num único tempo” que acompanha o objeto é quase equivalente aí à uma eternidade ou ao único tempo necessário para a apresentação de um objeto, ou, por exemplo dentro da refutação de Gamma 4, para a significação de algo.

Se forçarmos um pouco mais nessa direção interpretativa, percebemos que “simultaneamente” funciona aí como um operador de exclusão da diversidade do tempo e não como um operador intermediário entre “ser antecessor de” e “ser sucessor de”. Assim, esse “simultaneamente” contribui aí para a identidade “focal” do ser do qual se diz algo, não para a discriminação desse ser de outros seres.

Nesse sentido, o que é “simultâneo” aí é o “mesmo”. A expressão funciona, então, no princípio como modalidade de exclusão do tempo e, também, como modalidade de exclusão complementar ao “que seja e não seja” do princípio introduzindo uma espécie de identidade na fórmula do princípio de não contradição. O “simultâneo” aí indica, então, a identidade extra-temporal do sujeito ou do objeto sobre o qual repousa a imputação necessária de ser ou não ser.

Assim, “simultâneo” não introduz uma síntese no juízo, mas sim fortalece o caráter analítico mesmo do princípio de não contradição e, contrariando Kant, podemos dizer que o simultâneo de Aristóteles contribui nesse princípio para a sua perfeita analiticidade. Talvez um kantiano da cepa fique um pouco aborrecido com este resultado, mas isso significa, se for concedida a vênia, que algo está sendo posto em debate e que, pelo menos da nossa perspectiva, a solução definitiva ainda não foi encontrada.



DANIEL ADAMS BOEIRA- PPG-FILOSOFIA/UFRGS - 25/10/1996.

NOTAS:

* Este trabalho é a apresentação de um exame inicial desse tema. O trabalho é resultante de dois processos que se conjugaram nos meus estudos: 1. o meu estudo do PNC de Aristóteles, motivado por Wittgenstein, e 2. o meu estudo e reeleitura de Kant retomado no seminário do Prof. Dr. Mario Caimi sobre a Estética Transcendental de Kant. Por isso dedico este trabalho ao Prof. Mario Caimi que me estimulou bastante através da sua erudição e clareza. Espero somente que o estilo do trabalho não seja aborrecedor e retribua o prazer proporcionado pelo professor ao aluno.

É importante anotar que Aristóteles apresenta ao longo da Metafísica diversas versões de princípio de não contradição (PNC), que tem causado algumas polêmicas interpretativas. Uma classificação dessas versões é oferecida por ROJO. 1971. Cito:

1) versões ontológicas:
a) “Não é possível que a mesma coisa seja e não seja simultaneamente” Met. V, 5, 1062 a 5
b) “É impossível, em efeito, que um mesmo atributo seja dado e não seja dado simultaneamente no mesmo sujeito e no mesmo sentido” Met., IV, 3, 1005 b 15-20
c) “É impossível que uma coisa seja e não seja ao mesmo tempo”
2) versões lógicas:
a) “Não são verdadeiras simultaneamente as afirmações opostas.” Met. , IV, 6, 1011 b 15.
b) “Não é possível que as afirmações contraditórias sejam verdadeiras com relação às mesmas coisas” Met., XI, 5, 1062 a 30.
3) versão psicológica:
a) “É impossível que um mesmo admita simultaneamente que uma coisa é e não é. Pois simultaneamente teria as opiniões contrárias e se enganaria a respeito disso.” Met. XI, 4, 1005 a 25-30.

Poder-se-ia dizer que Aristóteles apresenta uma versão para cada tipo de ciência. Nesse sentido, cada versão do PNC introduziria uma diferença específica que é pertinente ao tipo de ciência na qual esse princípio tem vigência. Mas, ao mesmo tempo, não parece fútil dizer que todas estas versões são, no fundo, derivadas de uma versão eminentemente lógica. Como afirma IRWIN, trata-se de um princípio de uma ciência especial. É, portanto, no pano de fundo dessa versão lógica que nós nos deslocaremos aqui.

Conf. KANT, I. Crítica da Razão Pura. Trad. Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger. São Paulo: Abril Cultural, 1983, para edição B.

Não vamos, portanto, cotejar aqui todas as passagens em que essa interpretação de Kant do PNC de Aristóteles se apresenta na Crítica da Razão Pura, mas, se este exame inicial estiver correto, não será trivial indicar a necessidade desse exame nas obras teóricas de Kant.

Esta passagem insere-se no Livro Segundo da Analítica Transcendental, capítulo segundo, seção primeira. Nos restringimos à esta passagem em nossa interpretação.

Essa expressão do princípio encontra-se em Metafísica, Livro Gamma, Capítulo 4. Expressão que é classificada por ROJO, como mostramos antes, como sendo uma versão ontológica do princípio. O traço importante aí é a expressão “simultâneo” na fórmula. Talvez um exame mais profundo de Kant explique melhor a razão dessa diferença. As perguntas seriam relativas à concepção de Kant relativa à expressão “ser simultâneo”. Saber se ela figura na estética, na lógica, na analítica e na dialéctica e sob qual interpretação. Na tradução de Valério Rohden, vale destacar também, na versão de Kant temos “que algo seja e não seja”, vamos simpliciter substituir por “que algo é e não é” para diferenciar a direção do princípio. Trata-se de um princípio dirigido não para os objetos, mas, antes disso, para o modo como significamos ou dizemos algo. É, talvez, como assinala AUBENQUE e CASSIN um princípio transcendental, mas Kant, portanto, não sabia do seu caráter analítico originário. É através desta direção que se compreende a necessidade lógica do princípio e, importante, na Refutação de Gamma 4, é isto que está sendo posto em questão pelo opositor que Aristóteles procura converter pedindo que signifique algo para si mesmo.

Esse engano de Kant aliás é um meio engano, pois a interpretação que ele faz dessa versão do PNC parecerá aos mais atentos como sintomática da doutrina Kantiana de uma Filosofia Transcendental. E, nesse sentido, esta interpretação que Kant apresenta do “simultâneo” no PNC de Aristóteles é de acordo com a sua concepção - original e paradigmática - de uma certa Lógica Transcendental que cuidaria das formas lógicas de uma referência a priori.

O conceito de síntese de Kant por si só requererria um outro exame neste trabalho. Vamos arbitrariamente deixá-lo de lado aqui para efeitos de uma aproximação do uso de “simultâneo” em Aristóteles. Ao final, isso talvez se mostre mais justificado.

Aliás, Kant poderá sustentar até o final que a fórmula do princípio continua sintética mantido o “simultaneamente” e apresentada a nossa interpretação deste. Mas isso não quer dizer ainda, que o PNC em questão verse sobre uma regra para a forma dos juízos sintéticos e, muito menos, como se poderá verificar, que o PNC em questão verse sobre uma regra de predicação do juízo como Kant procura exemplificar na mesma passagem da Crítica da Razão Pura.

O uso do termo “focal” é aqui provisório. Mais adiante indicamos uma “identidade focal”. Parece haver uma certa interpretação do “ser” em Aristóteles envolvida nisso, mas aqui isso ainda é inicial.

Ainda que na física qualquer doutrina da eternidade seja uma flagrante absurdo.

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